A vida muda rápida e bruscamente e se acostumar não é tão simples assim.
Amanhã mesmo estou indo pra Uberlândia, terra natal.Eu, que passei as férias e onze ou doze anos da minha existência em Patos de Minas ,o último semestre em Brasília.Tudo muito rápido, um quebra-cabeças de sensações, um jogo que confunde sentimentos.Não há nem mesmo tempo para se acostumar à elas, apenas aceitar.
Há quanto tempo não me sinto inteira?!Nunca mais fui completa, só fragmentos.É duro ter partes do seu coração espalhados em cantos distantes.Dizem por aí que as distâncias diminuiram com o avanço da tecnologia nos meios de comunicação, mas pra mim isso é balela.Uma conversa no telefone ou no computador não permite que eu use dos meus sentidos humanos.A audição não é a mesma por um aparelho, elas não passam expressões e pecam nas vibrações.Eu não posso sentir o cheiro familiar,não posso sentir o gosto peculiar, não posso ver o brilho nos olhos e muito menos sentir o toque na pele ou o abraço apertado e confortante.Isso nenhuma invenção supre, anão ser que aprendamos a nos teleportar.Isso sim seria mágico e especial.
Nessa selva a gente é obrigado a abrir mão de tanta coisa pra conseguir algo que no final nem tem tanta importância quanto nós pensamos ter.Mas o ritimo é constante, não é permitido parar.Somos obrigados a estar sempre escolhendo, e escolhas inevitavelmente envolvem perdas.Coisas que pareciam ser tão simples de serem alcançadas se tornam cada vez mais complicadas.E eu vou aprendendo a ser fragmentos, querendo ser completa.
Ouro de tolo - Raul Seixas
Eu devia estar contente
Porque eu tenho um emprego
Sou um dito cidadão respeitável
E ganho quatro mil cruzeiros por mês
Eu devia agradecer ao Senhor
Por ter tido sucesso na vida como artista
Eu devia estar feliz
Porque consegui comprar um Corcel 73
Eu devia estar alegre e satisfeito
Por morar em Ipanema
Depois de ter passado fome por dois anos
Aqui na Cidade Maravilhosa
Ah! Eu devia estar sorrindo e orgulhoso
Por ter finalmente vencido na vida
Mas eu acho isso uma grande piada
E um tanto quanto perigosa
Eu devia estar contente
Por ter conseguido tudo o que eu quis
Mas confesso abestalhado
Que eu estou decepcionado
Porque foi tão fácil conseguir
E agora eu me pergunto: E daí?
Eu tenho uma porção de coisas grandes
Pra conquistar, e eu não posso ficar aí parado
Eu devia estar feliz pelo Senhor
Ter me concedido o domingo
Pra ir com a família ao Jardim Zoológico
Dar pipoca aos macacos
Ah! Mas que sujeito chato sou eu
Que não acha nada engraçado
Macaco praia, carro, jornal, tobogã
Eu acho tudo isso um saco
É você olhar no espelho
Se sentir um grandessíssimo idiota
Saber que é humano, ridículo, limitado
Que só usa dez por cento de sua
Cabeça animal
E você ainda acredita que é um doutor, padre ou policial
Que está contribuindo com sua parte
Para nosso belo quadro social
Eu que não me sento
No trono de um apartamento
Com a boca escancarada cheia de dentes
Esperando a morte chegar
Porque longe das cercas embandeiradas que separam quintais
No cume calmo do meu olho que vê
Assenta a sombra sonora de um disco voador
Eu que não me sento
No trono de um apartamento
Com a boca escancarada cheia de dentes
Esperando a morte chegar
Porque longe das cercas embandeiradas que separam quintais
No cume calmo do meu olho que vê
Assenta a sombra sonora de um disco voador
ps: Raul Seixas me lembra infância e essa música especialmente diz muito sobre o post, numa dessas conversas que se tem com a mãe a música se mostra ainda mais reveladora.Sem mais, é bom que cada um tenha a sua interpretação e além do mais, "pra bom entendedor meia palavra basta".